Vivo os piores dias tentando me blindar das lembranças.
Hoje não sei mais quem sou, só sei que
dia após dia luto contra as lembranças.
Um simples bom dia pode me tirar o humor, são nesses
singelos gestos que as lembranças mais marcantes se escondem, prontas pra
atacar.
Pavor.
Outro dia, tive que desviar da loja de perfumes. Era fato
que elas estavam lá, todas com seus olhinhos brilhantes, escondidas em cheiros,
sedentas pela minha paz. Mudei o caminho, não passei pela loja.
Teve também aquele almoço que recusei. Eu sei que elas
estariam prontas, camufladas entre os sabores, esperando minha primeira
garfada. Não... é melhor não.
Evito, dia após dia. O ferimento que uma lembrança faz é
aberto e tem aquela dorzinha de tatuagem. Incomodativa, constante, com
som, e que depois inflama, causa febre,
dor de cabeça. O pior é que não tem receita médica pra sarar, não tem um: “Ô
seu médico, eu tô com um ferimento de lembrança”. Não existe remédio pra essa
patologia, depois de feita, a ferida só é curada com o tempo, um bom tempo.
Por isso eu vivo assim, desviando de pessoas, de lojas de
perfumes, de lugares e da sua boca.
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