domingo, 8 de junho de 2014

sem lágrimas no cerrado



Lídia observava os pássaros, a linha do horizonte, as árvores não muito verdes, os frutos exóticos; alguns ela tateava para ter certeza da verdade naquelas imagens. Apalpava para memorizar de outras formas.
 _Lídia, seus vestidos estão prontos, as bagagens acabaram de chegar.
O grito cortou as memórias do dia que estava no fim.
Ela olhava o baú como se desdenhando, mas lá no fundo Lídia presava muito por aqueles vestidos. As pequenas dores e desconfortos causados em ocasiões do passado estavam presentes nos tecidos. Enquanto ela vestia determinadas peças alguns momentos voltavam.
_Bobagem passada.
Cada dia era repetido. 
Para Lídia ali não tinha muita distinção, os dias da semana, o fim de semana. Sem escola de arte, sem exposições, sem noite, do que serviria contabilizar?
Lídia passava por entre os fuxicos e captava cada palavra dita. Procurava adequar aquele ritmo de conversa aos seus projetos e desta forma não se sentia ofendida, até considerou tudo como material para referência.
Não se sabe se era a postura, o olhar, o comportamento ou o dinheiro que a família tinha que acabavam por formar uma blindagem em Lídia. Os comentários e conversinhas maldosas não eram impedimentos para seus diversos caprichos, que o pai atendia com prontidão.
_Por favor, avise a meu pai que quero esta lista de materiais para pintura, vinhos e a presença de meu amigo europeu.

...



Um dia depois do outro. Depois que seu pai perdeu as ações na bolsa, falindo instantaneamente (e desencadeando uma sucessão de eventos, entre eles o suicídio do patriarca em um quarto de hotel barato, com um tiro na cabeça) seu lema era este, “um dia depois do outro”.
Abandonou as aulas de História da Arte e virou operário em uma fábrica próxima.

...

_Lídia, aqui é onde podemos imortalizar memórias. Nós já temos a fórmula. Podemos fazer.
_Agora só quero criar estas lembranças com você. Já que temos a fórmula podemos ficar mais tranquilos.
_Até depois do oceano?
_Até lá depois e bem no meio.