Lídia observava os pássaros, a linha do horizonte, as árvores não muito verdes, os frutos exóticos; alguns ela
tateava para ter certeza da verdade naquelas imagens. Apalpava para memorizar
de outras formas.
_Lídia, seus vestidos estão prontos, as bagagens acabaram de
chegar.
O grito cortou as memórias do dia que estava no fim.
Ela olhava o baú como se desdenhando, mas lá no fundo Lídia
presava muito por aqueles vestidos. As pequenas dores e desconfortos causados em ocasiões do
passado estavam presentes nos tecidos. Enquanto ela vestia determinadas peças alguns
momentos voltavam.
_Bobagem passada.
Cada dia era repetido.
Para Lídia ali não tinha muita
distinção, os dias da semana, o fim de semana. Sem escola de arte, sem
exposições, sem noite, do que serviria contabilizar?
Lídia passava por entre os fuxicos e captava cada palavra dita.
Procurava adequar aquele ritmo de conversa aos seus projetos e desta forma não
se sentia ofendida, até considerou tudo como material para referência.
Não se sabe se era a postura, o olhar, o comportamento ou o
dinheiro que a família tinha que acabavam por formar uma blindagem em Lídia. Os
comentários e conversinhas maldosas não eram impedimentos para seus diversos caprichos,
que o pai atendia com prontidão.
_Por favor, avise a meu pai que quero esta lista de
materiais para pintura, vinhos e a presença de meu amigo europeu.
...
Um dia depois do outro. Depois que seu pai perdeu as ações
na bolsa, falindo instantaneamente (e desencadeando uma sucessão de eventos,
entre eles o suicídio do patriarca em um quarto de hotel barato, com um tiro na
cabeça) seu lema era este, “um dia depois do outro”.
Abandonou as aulas de História da Arte e virou operário em
uma fábrica próxima.
...
_Lídia, aqui é onde podemos imortalizar memórias. Nós já
temos a fórmula. Podemos fazer.
_Agora só quero criar estas lembranças com você. Já que
temos a fórmula podemos ficar mais tranquilos.
_Até depois do oceano?
_Até lá depois e bem no meio.