sexta-feira, 14 de novembro de 2014

a aparição de lídia


Quando equilibrista na corda branca, Lídia já sabia de toda minha rotina.

Sabia o horário do despertador, de quanto usava da soneca, a duração das orações diárias, os dias do banho quente e os dias de banho frio, os dias que conseguia alcançar o ônibus e os dias do táxi. O horário do meu trabalho, dos insights. Sabia quando a maconha era usada como ativador de apetite ou fonte de criatividade e foco. Sabia o horário de saída, e principalmente, dos treinos.

Lídia sabia que era na escola de circo, no treino de equilíbrio na corda branca, o momento certo para uma conversa.
Depois de 21 dias de observação, resolveu iniciar um diálogo.

Eu estava lá no alto, atravessando a linha, bem no último terço, quando o coração acelera ao máximo e eu paro para um cigarro (seguindo orientações de que este é o momento certo de treinar a parada na linha branca, fumar e continuar o caminho, obtendo intenso aproveitamento), que algo congelou no ar a fumaça da baforada e falou bem ao meu ouvido:




 "_Por minha causa você ficará na história."

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A jaulinha

Existe uma jaulinha
pintada de branco
com animais estampados:
garoupa
onça-pintada
mico-leão-dourado
e arara.
Esta jaulinha bem cheirosinha
boa que só até veuve clicquot tem.
Vamos lá
não fique acanhado,
entre comigo,
lá é bonito.
Só tem um porém,
você deve deixar
aqui tudo o que têm,
principalmente as ideias,
elas são proibidas



não podem entrar. 

quarta-feira, 30 de julho de 2014

5 copos de catuaba




entre lugares de céu escarlate e nuvens estáticas
onde a bebedeira é curada com cocaína,
sua dúvida fez surgir um unicórnio que o levou para
o mundo ideal.

  
ele optou por voltar.

 
achou tudo muito simpático,
muito colorido,
muito escrachado.
  
aos 25 anos a volta também é um caminho.

domingo, 8 de junho de 2014

sem lágrimas no cerrado



Lídia observava os pássaros, a linha do horizonte, as árvores não muito verdes, os frutos exóticos; alguns ela tateava para ter certeza da verdade naquelas imagens. Apalpava para memorizar de outras formas.
 _Lídia, seus vestidos estão prontos, as bagagens acabaram de chegar.
O grito cortou as memórias do dia que estava no fim.
Ela olhava o baú como se desdenhando, mas lá no fundo Lídia presava muito por aqueles vestidos. As pequenas dores e desconfortos causados em ocasiões do passado estavam presentes nos tecidos. Enquanto ela vestia determinadas peças alguns momentos voltavam.
_Bobagem passada.
Cada dia era repetido. 
Para Lídia ali não tinha muita distinção, os dias da semana, o fim de semana. Sem escola de arte, sem exposições, sem noite, do que serviria contabilizar?
Lídia passava por entre os fuxicos e captava cada palavra dita. Procurava adequar aquele ritmo de conversa aos seus projetos e desta forma não se sentia ofendida, até considerou tudo como material para referência.
Não se sabe se era a postura, o olhar, o comportamento ou o dinheiro que a família tinha que acabavam por formar uma blindagem em Lídia. Os comentários e conversinhas maldosas não eram impedimentos para seus diversos caprichos, que o pai atendia com prontidão.
_Por favor, avise a meu pai que quero esta lista de materiais para pintura, vinhos e a presença de meu amigo europeu.

...



Um dia depois do outro. Depois que seu pai perdeu as ações na bolsa, falindo instantaneamente (e desencadeando uma sucessão de eventos, entre eles o suicídio do patriarca em um quarto de hotel barato, com um tiro na cabeça) seu lema era este, “um dia depois do outro”.
Abandonou as aulas de História da Arte e virou operário em uma fábrica próxima.

...

_Lídia, aqui é onde podemos imortalizar memórias. Nós já temos a fórmula. Podemos fazer.
_Agora só quero criar estas lembranças com você. Já que temos a fórmula podemos ficar mais tranquilos.
_Até depois do oceano?
_Até lá depois e bem no meio.

 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

18 segundos de paixão




[na escada de saída/entrada da estação de metrô]

 _cara, me ajuda?
 _é que... meu, perdi minha carteira, tô só com o vale-refeição e não tenho grana pra voltar.
os olhos azuis provocaram. péssimo.
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                  _toma aqui mano. 
                   _eu já fui tão ajudado hoje, 
                     _não custa  
                      (tentativa de compensação).

sábado, 12 de abril de 2014

troca




Já ouvi muitos ditarem correntes de pensamentos rápidos que exploram uma suposta regra: “Os bons morrem jovens”.
Na realidade, com o passar dos anos ouve uma mudança responsável por transformar a mensagem.
Antes de fazer parte de músicas ou poemas baratos, a frase foi divulgada e vivificada através de “bla bla bla”, ação capaz de modificar elementos;  o coração é um deles, com o efeito de  “bla bla bla” encrosta e petrifica.  
Agora é a partir daqui.






“Os bons permanecem jovens.”