sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

.likeanewdesire.


Seu único sopro na realidade emitia sons estranhos. Nunca tinha ouvido aquelas palavras antes, mas de alguma forma tudo aquilo era familiar.

Pois é, ele não resistiu ao vício, ligou e fez tudo ser consumado. Tudo ser como antes.

Inventou pensamentos. Sentiu azia. Foi ao banheiro e vomitou sangue com pequenas letras manchadas de preto. Ajoelhou e abraçou a cuba sanitária. O cheiro do desinfetante fazia com que os azulejos tomassem formas monstruosas.

Acordou no sofá xadrez. Olhou em volta. O patriarca preocupado com a conta de luz, apagou a lâmpada. Como consolo deixou a TV ligada no canal de desenhos. Lisergia estava em cartaz naquele mês de chuva. Era a única companhia e emoção que existia.

Os amores irreais dançavam sobre seu estômago. O café amargo tinha feito um grande buraco ali e a invenção de outra dor mascarava aquela queimação diária. Todos os dias, ao caminho do trabalho, o buraco gritava. Ele mandava fumaça cinza pra dentro. Ela brigava com o buraco, tentando preencher o vazio que existia, nunca ganhava. A dor só piorava e a profissão médico não existia em seu banco de dados. A juventude é bela, a pele é boa e o cabelo sedoso com cachos soltos ao vento. Pra que envelhecer?

Sem avaliar a situação, decidiu optar pela autodestruição. Nada mais fazia sentido naquela noite. Telefonemas não atendidos, paixão carnal, mentiras em forma de sorrisos. Ele avaliava o porquê de tudo enquanto explodia em seu nariz pequenos suicídios.

As fagulhas de fogo faziam ele lentamente esquecer todos os motivos da nóia noturna. Reavivou o pensamento. Agora o foco era o trabalho, o título que ainda não tinha escrito e o quanto ele flutuava durante o dia dentro daquela fonte azul. O barulho de água lembrava a cidade onde morava. Tudo era familiar, e o dia, pelo menos o dia, era um grande sonho em formato triangular.

Do nada teve um insight. Decidiu valorizar tudo que era familiar e deixar as invenções pra ficção. Ele tem a cura pra tudo. Ele tem a cura pra toda a dor. Ele tem a sua própria salvação. Tem dificuldades com novos ambientes, com novas ideias, com novas pessoas. Talvez se ele se esforçar em lembrar onde tudo era familiar, encontre na lembrança a vida que tinha, e a cura será automática.



Eu torço por ele.

Um comentário:

Anônimo disse...

O texto e você em estado puro, impenetravel mas oferecido. Sua realidade escancarada e sem compreensão.
Dificil ler, reler, procurar as entrelinhas, as pequenas frases conclusivas, as palavras cheias de tanto.
Gostei de tantos trechos, da juventude, do buraco, dos amores novos. E a foto sempre parte deste mundo. Sombrio. Mas um lado da realidade.
Segunda começa pra acordar com este texto. Muito lindo.